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Posts Tagged ‘José Saramago’

“só num mundo de cegos as coisas serão o que verdadeiramente são”

Um livro que li recentemente e que duramente me conquistou. O mais estranho é que eu já o estava procurando há muito tempo… e tchããn, resolveram fazer um filme dele!

Tou louca pra ver, apesar de saber que os filmes nunca conseguem chegar aos pés da literatura.

Mas enfim, é tudo cultura mesmo!

O Ensaio sobre a Cegueira é um livro extremamente sofrido, digamos doloroso de ler e ‘enxergar’. Algumas pessoas podem não ter sensibilidade suficiente para gostar da leitura porque é, diga se de passagem, muito melancólica e recheada de metáforas. Mas é claro que eu sou simplesmente apaixonada por leituras assim!

Um livro que pode ter várias interpretações em relação ao conteúdo, porque o autor deixou essa parte aberta. Nos deparamos com uma dolorosa crítica em relação ao ser humano e sua vida ‘cega’, que vê, mas não repara. Que precisaria estar literalmente cego para enxergar além da superfície e valorizar a aquilo quer realmente importa. “[…] ainda está por nascer o primeiro ser humano desprovido daquela segunda pele a que chamamos egoísmo, bem mais dura que a outra, que por qualquer coisa sangra […]”

Acho que para muitos essa leitura seria um banho de água fria e suja.

Mas também para quem não está muito acostumado pode acabar estranhando a falta de parágrafos e sinais de interrogação/exclamação. Ele só separa as frases com vírgulas, o que significa que vc tem que se virar para entender o diálogo – ok, ok, não é assim tão difícil, mas tem que ler com calma, desgustando as palavras muito bem colocadas pelo mestre Saramago – sem se perder na fala ou no sentido.

Conta-se que uma inesperada e incurá vel epidemia de cegueira alastrou-se pela população mundial e rapidamente perdeu-se o controle sobre a praga. Apesar dos esforços do governo, que logo ao tomar conhecimento do primeiro caso já foi de cara organizando uma quarentena, não houve remédio porque rapidamente toda a população ficou cega, passando a ver somente um bloqueio branco de aspecto leitoso.

É lá que passamos a maior parte do tempo, numa quarentena ironicamente localizada num manicômio.

Um homem dirigia normalmente seu carro pelo complicado trânsito de uma metrópole quando de repente mantêm seu carro parado e grita: “ESTOU CEGO! ”

Logo essas duas palavras tornaram-se comum no livro.

Essse homem, o primeiro cego, vai com a mulher ao oftalmologista e diz estar enxergando tudo branco.

Sem demora todos que estavam no consultório do médico, incluindo o próprio, cegam. Apenas a mulher do médico que fica de fora.

E como cidadão consciente, o médico alerta o governo, que por sua vez inplanta essa quarentena que tinha como princípio cortar o mal pela raíz: Deixar morrer todos os cegos antes que eles contaminem o restante da população.

Naquele manicômio, completamente desprovido de conforto, teremos como protagonistas: o médico, a mulher do médico – que só estava ali para acompanhá-lo mas que na verdade nunca cegou -, o primeiro cego e a mulher dele, uma prostituta, um velho da veenda preta, e um menino estrábico; Junto com eles estarão mais de duzentas pessoas disputando por comida e espaço.

A história principal se baseia nisso, numa guerra às cegas. Onde homens não mais serão homens, mas sim animais, onde não existe mais a moralidade, nem dignidade. Em vez do coletivo prevalecer para o bem geral, extistirão aqueles “cegos” que querem tirar vantagem da situação, cegos que roubarão a comida e a segurança. Isso lembra alguma coisa? Nada mais do que a vida real. Sempre teve aquela minoria ordinária que tira o pão do faminto para estar sempre no poder. Esses mesmos não só tornarão a situação mais subumana, mas farão morrer cada vez mais aqueles que não tinham mais vida. “De uma certa maneira, tudo quanto comemos é roubado à boca de outros, e se lhes roubamos de mais acabamos por causar-lhes a morte, no fundo somos todos mais ou menos assassinos”

Foi uma leitura árdua, onde a gente vive o desespero daqueles que não tem em que ou quem se apoiar. Estive o tempo todo nervosa no lugar daquelas pessoas que não tinham nome, que vivas pareciam mortas. Pessoas que tinham que confiar uns nos outros quando os seus sentidos físicos os abandonam. Mas eu sempre tive esperanças por causa da mulher do médico, que mais era uma luz naquela escuridão – ou talvez um ponto preto no branco, pois a cegueira era branca -, ela guiou com muita coragem aquele grupinho de personagens que citei acima. Essa mulher foi a que podendo enxergar, ainda sofria por todos os outros. Era a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam. Os leitores e essa mulher serão obrigados a verem que até mesmo fora do manicômio todos os princípios que regem uma civilização vão ruir. Não existirá mais humanidade em lugar nenhumm

Aquele ditado: “em terra de cego quem enxerga de um olho só é rei” não se encaixa muito aos sentimentos da mulher do médico. Porque ela sente mesmo é horror, é armagura e injustiça.

O mundo tornou-se o Caos em si, três vezes pior que o inferno. Estava tudo fétido, bagunçado e de cabeça para baixo enquanto ela tinha que lidar com a maldição de ser a única a presenciar tudo aquilo com os olhos.

A cegueira no livro não passa mais do que o simbolo da indiferença humana, do egocentrismo. “É um velho costume da humanidade, esse de passar ao lado dos mortos e não os ver”

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